quarta-feira, 13 de julho de 2011

Monteiro Lobato e a literatura escolar


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Texto da pesquisadora Solange Kate Araújo Vieira. Avalia militância do escritor pelo bom aproveitamento da literatura nas escolas.

Em um tempo em que a literatura foi expulsa da escola e em que se medem inúmeros esforços para resgatá-la, principalmente na educação infantil, vale louvar o pioneirismo de um grande escritor que lutou em seu tempo para formar leitores. O “caçador de leitores”, como denominou uma estudiosa da obra de Monteiro Lobato, lutou incansavelmente em busca do leitor e notadamente em busca do leitor infantil.

Monteiro Lobato teve o mérito de perceber a necessidade da leitura como instrumento de progresso de uma nação, e para isso tentou conquistar o leitor infantil, introduzindo literatura nas escolas primárias (ensino fundamental), pois reconhecia a receptividade das crianças a textos de boa qualidade e inteligentes.O primeiro livro infantil de sua autoria - “A menina do Narizinho Arrebitado”, de 1921 - trazia o frontispício esclarecedor: “literatura escolar”, o que confirmava sua preocupação com a literatura na escola desde o início. Escrito em uma linguagem brasileira, contrastava com as edições estrangeiras utilizadas nas escolas. Esta obra foi distribuída gratuitamente às crianças de escolas públicas de São Paulo e o presidente do Estado, ao perceber o interesse das crianças pelo livro, ordenou a compra de grande quantidade da obra para distribuir nas demais escolas públicas. Mal sabia Lobato que com esta obra estava criando a literatura infantil moderna brasileira.
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No mesmo ano, em um artigo intitulado “Livros fundamentais”, o autor criticava o que chamava de “uniformidade de cérebros”, alusão à adoção de livros didáticos sem respeito à individualidade e ao gosto pessoal do aluno. Acreditava Lobato que a leitura de um livro obedecia aos mesmos critérios com que as pessoas escolhiam os chapéus ou gravatas. Tudo era questão de moda. Discordava veementemente desta postura e apontava a raiz do problema: livros didáticos impingidos ao governo pela indústria livreira, impostos às crianças.Lobato procurava testar a receptividade de seus textos junto às crianças e encomendava ao amigo Godofredo Rangel, escritor e professor primário, um teste de leitura. Pedia-lhe que experimentasse o Narizinho escolar em algumas crianças para ver se elas se interessavam.Sentindo nas crianças um público leitor atento, Monteiro Lobato destinou-lhes não só produções próprias, mas literatura de qualidade como os clássicos reescritos à brasileira, dando-lhes um sabor local para ser degustado pelas nossas crianças. Sob a orientação do Lobato editor, muitos textos clássicos foram adaptados e traduzidos para alimentar a criança leitora de bons textos.Monteiro Lobato abriu caminho para uma nova expressão literária, estimulando a reflexão, o questionamento e a crítica. Ele buscou novas formas de linguagem para escrever para o leitor jovem, fazendo com que os valores culturais brasileiros passassem a ocupar espaço no imaginário das crianças.Segundo a crítica Nelly Novaes Coelho, a renovação proposta por Monteiro Lobato tinha na base a intenção de uma profunda reinvenção da linguagem literária. Liberou o estilo literário para crianças de seus esquemas predeterminados e retóricos, para enriquecê-los com a experiência lingüística e familiar.

Expurgando de seus textos, desde as primeiras publicações, normas de bom comportamento e delegando à criança nova forma de atuação, valorizava sobretudo o espaço infantil e concedia-lhe voz. E essa é um das maiores contribuições para uma nova visão na paisagem literária brasileira de então, e por onde enveredaram grandes nomes da nossa atual literatura infantil.

Lobato traz a vida brasileira à consciência infantil, desenvolvendo um sentimento de nacionalidade atuante. Ele entrega à infância do País a chave para consolidação de ideais de cidadania mais autênticos e verdadeiros. Foi o primeiro escritor a transformar o livro em um elemento de diálogo entre os jovens e os adultos.Com a saga do Sítio do Picapau Amarelo, o mundo infantil se povoou de figuras adultas familiares humanizadas e próximas às crianças, como Dona Benta, Tia Nastácia, e apontou o caminho da espontaneidade inventiva e da independência mental das crianças em relação à autoridade dos adultos. Em depoimentos, o autor ressaltava a crença que a infância tem na imaginação, como em entrevista ao jornalista Celestino Silveira em meados de 1940: “quando falo às crianças do pó de pirlimpimpim, não há uma só que duvide dessa maravilha”.Aliando o real ao maravilhoso em suas obras infantis, Lobato respeitou o universo infante. As fabulações de seus textos situam-se no mundo cotidiano e ao mesmo tempo transitam no mundo imaginário ou do maravilhoso, e passam a integrar o mundo natural infantil, misto de sonho e realidade.Uma das conseqüências mais importantes dessa fusão, em termos de psicologia infantil, é proporcionar à criança a possibilidade de viver a fantasia.O sonho de Lobato era fazer livros onde as crianças pudessem morar. Este sonho foi perseguido pelo escritor através de sua obra dedicada à nossa infância. Reconhecendo a literatura infantil como alimento espiritual, correspondente ao leite materno, Lobato procurou nutrir nossas crianças de fantasia e imaginação para penetrar a alma infante conduzida pela loquacidade inventiva.Monteiro Lobato afirmava em América que um livro é uma ponta de fio que diz “aqui parei: toma-me e continua, leitor”.Assim também devem refletir os educadores e governantes do nosso País e continuar a ponta de fio do projeto lobatiano, promovendo a leitura literária na escola, nas bibliotecas, nas ruas, nos sítios, e espalhar assim o pó de pirlimpimpim na nossa infância, tão abandonada que está de magia e fantasia.É preciso acordar o leitor que habita em cada criança, repleto de emoções e desejos e deixá-lo viver no reino maravilhoso do literário para, no futuro, a criança leitora habitante da esperança possa encontrar caminhos mais salutares e humanos e possa dividi-los com outras gerações do “é uma vez a leitura”. 

SOLANGE KATE ARAÚJO VIEIRA
Solange Kate Araújo Vieira é mestre em Literatura Brasileira e Coordenadora Pedagógica do Projeto Agentes de Leitura do Ceará, da Secretaria da Cultura

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